Sunday, January 30, 2005

Ninguém!


Existes em sonhos
Carnais incompletos...
em pedaços de segundos sem dó do meu sentir
Num Flash de imaginação fértil

Todas as portas que vejo são esperanças de ti!
Por imaginar e esperar que seja por ali que entras
que apenas mais uma vez te vejo antes de ir dormir


Em casa, no café, na rua, no metro.
São pequenas esperanças que me abarcam inevitavelmente,
sem saida para as minhas ideias. São prisões.


Porta a porta. Todos os dias vou fechando e abrindo
as negações da tua existência aqui.
E, por vezes, para me ser mais facil dormir,
Procuro uma janela. Para ver quem está do lado de fora:


Ninguém!


Saturday, January 29, 2005

Pacto

- Que fazes?
- Deito cartas à mesa para ver o meu passado!
- O futuro?!
- Não tenho interesse pelo futuro...
- Mas não é assim que funciona. As cartas dão-te avisos, linhas mestras para o que há-de vir. O passado já foi.
- E a compreensão? Não é para isso que servem? Para percebermos o que fazer?
- Mas isso é do futuro!...
- É do passado meu caro! Lança as cartas quem tem dúvidas... As minhas são do passado. O futuro conheço-o eu, é amigo de longa data. Temos um acordo. E ele espera sempre por mim...

Labirinto

Sou labirinto de mim mesmo.
Entrada e saída .
Passagem fugaz.
Esquina dobrada.
Canto vazio.
Encruzilhada confusa.
Parede sozinha.

Saio por onde entro. Passo por mim várias vezes
Desconheço-me a cada passo e descubro-me noutro.
Retorno-me dia após dia e abandono-me sempre.
Sou eu sem saída de mim.
Labirinto de mim mesmo.

Confuso. Fechado. Perdido. Preplexo.

Thursday, January 27, 2005

: a ninguém

Sim! Sabor terno este que bebo dos lábios da morte.
Tu! Que quebraste em mim a vontade de viver
Deixa-me respirar o vazio da vida
E beber a amargura da saudade

Sim! Verdade maldita que lembro aos poucos.
Tu! Que roubaste de mim o gosto da luz.
Deixa-me sentir o perder da alma
E navegar no negro do espírito

Sim! Horrenda mentira que me atormenta na noite
Tu! Que lançaste a mim as feras famintas
Deixa-me afogar o azul dos meus olhos
E perder o gosto do riso

Não queiras ser tu a dona do meu futuro
Ordenar sentenças ao meu coração
Que ele não é teu
...já nem a mim me pertence!

A cabeça ama e a alma sonha

Aquilo a que chamo amor
não é mais que uma incontrolada vontade
demente de ter em ti
minha Deusa

Aquilo a que chamas paixão
não é força, mas ficção
entre a alma e o mundo exterior

Wednesday, January 26, 2005

Silêncio na palma da mão

-Agora, quando faço rolar uma caneta entre as palmas das mãos.. já não ouço barulho de aneis...

(há quem oiça...)

Tuesday, January 25, 2005

É assim que a morte me engana?


Será que morri o ano passado? Uma morte rápida e indolor, despudurada de principios que me roubou da vida?
Que é feito dos dias que vivia? Da realidade que existia? Das certezas que sabia?

Será a verdade que me assombra? Que não sei onde faz ponte com o passado, onde começou e onde vai acabar!
É este o destino que me esperava? Viver o limbo de ser esquecido. De ser magoado. De não ser perdoado.

Será este o castigo eterno? Nas chamas da dor. Do amor pisado e traido.
Onde estão as paredes? Onde está o chão? O tecto que me cobria?

Será que morri e ainda não descobri?


Monday, January 24, 2005

...para sempre.

Foi a dois tempos que ele decidiu dizê-lo. A dois tempos e a dois tons. E diz quem conseguiu ouvir... que foi a dois volumes diferentes. E muito embora nunca tenha existido dificuldades de expressão naquela pessoa, a verdade é que foi um momento de difícil gestão emocional aquele que ele viveu. A vontade de fugir, de se conter, de sufocar ali mesmo, sem apelo nem agravo. A morte fulminante até parecia solução imediata.

A fisiologia virou-se contra ele: a garganta seca, a glote colada, o suor na testa, as mãos frias e a tentarem esconder-se uma na outra. De pé, firme. Não por posição de honra, mas porque as pernas tremiam.

Vi isto tudo acontecer. E digo-vos, disfarçava muito bem! Nunca eu poderia afirmar, sem a sua futura confissão, que a pessoa que estava ali passava por momentos de intensa insegurança. Talvez por receio de falhar ao passar a sua mensagem...

Dei uns passos à retaguarda. De forma a encoraja-lo. Pensando que no face-a-face as palavras descorreriam melhor. E parecia ter acertado. Ele parecia estar mais nervoso. Olhou para a frente. Para ela. Abriu a boca duas ou três vezes antes de produzir sons. Como que presa pela secura da garganta a vocalização saltou de um pulo cá para fora.

- Amo-te muito - disse. Audível e emocionado. Palavras livres de segundo sentido, que isto do Amor é coisa séria. Mas o resto não consegui ouvir plenamente, sou ainda assim capaz de jurar que acabou com - ...para sempre.

Gémeos Falsos...

- Se há Gémeos-falsos e Gémeos-verdadeiros...
Aplicar-se-á também o principio às Almas-Gémeas?

Sunday, January 23, 2005

Naufrágio...

No meio da tempestade agarraste-te à única boia à vista. E deixaste-me afundar só:

Afundei tanto, tanto, que deu para te ver ao longe. E embora de baixo para cima, e embora de imagem turva do sal, agora vejo bem o rasto que deixámos para trás. O Barco desfez-se, mas a madeira flutua. Muito detrito, mas os bocados grandes estão intactos (ou pelo menos daqui parece)...

Vejo-te a nadar lá em cima, e sigo o teu caminho cá de baixo, no frio, para te apanhar se caires. Se perderes a tua boia que é cheia de ar.

Como desejava ver-te apanhar e reunir os bocados soltos que flutuam ao teu lado, ou pegares num deles e chorares uma lágrima. Ou junta-los ao peito e suspirares! Mas o teu nado mantêm-se, dás aos braços e às pernas e afugentas os pedaços para longe de ti. Para longe de mim. Nem olhas para trás. Ou para baixo.

Neste momento nado para cima, para o ar, para as ondas que levantas. Para respirar fundo, e sofrego por estar junto de ti. Junto da asneira que está à tona de àgua... tentar num último esforço juntar o que se afasta e recontruir o Barco.

Pouco por pouco. Pouco a pouco. Um pedaço aqui, um pedaço ali. Restos que juntos souberam flutuar para longe e durante tanto tempo. Seco e sólido, para te receber.

Juntos tirarmos da água o que de bom restasse, e deixar o resto a boiar, para podermos, em momentos de perigo, ver o lixo que deixámos para trás. E seguirmos para doca os dois, e com os pés em terra sabermos o medo que é perdermos quem amamos, e reconhecermos que o amor que temos não dá para viver num barco... que tem de ser em terra, com a certeza que cada um de nós existe sem o outro e reconquistarmos a vontade de seguirmos em frente. Os dois... lado a lado... mas de mãos dadas.

Saturday, January 22, 2005

É traição este beijo que te dou

É um beijo falso este que te dou!.. Pensas que é amor mas não é. É saber que este leva o caminho da fuga. Um último. Diferente do primeiro que tão bem lembras.

É um beijo vazio este que te dou!.. Pensas que este leva emoção. Este é só um beijo. Mais um. Oco do sentimento que fui para ti. Que deixei fugir em golfadas de vida durante tantos anos juntos.

É um beijo fingido este que te dou!.. Pensas que é para ti. Mas este é um beijo que não te quer. Que olha para o lado à procura de outros lábios. Aqueles que descobri lá fora na vida. Que me dão sabores que os teus já não sabem dar.

É um beijo efemero este que te dou!.. Pensas que fica para sempre. Mas este já se foi. Soltou-se rapidamente ao vazio. Aquele que contruo entre os dois. Segundo a segundo. Descobrindo novos rumos para lá do nosso passado.


(Fica aí sentado a saborear o sabor da tua ilusão.)

Devoto-te à orfandade dos meus lábios.
À memoria daqueles que foram teus.
Este não o é!

Fugiste com uma brisa de vento...















[vazio]





Friday, January 21, 2005

Paraíso perdido

Escrevi-lhe esta carta em dia de chuva fria:

(...)
" Pensavas que me tinhas dado só o mundo? Não deste. Deste-me esta planície onde corro. Esta praia onde me banho. Esta montanha que trepo. Este planalto que passeio. Este rio onde pesco. Esta colina onde escorrego. Este deserto onde me perco. Esta floresta em que suo. Os animais. As plantas. Deste-me o dia. Deste-me a noite. O frio. O Calor. O Vento o Fogo a Água e a Terra. Deste-me os Planetas vizinhos. O Sol e a Lua.

Lembras-te? Deste-me isto tudo e deste-me mais. No dia em que me roubaste uma costela e nela sopraste... deste-me folego de viver a dois. Com Mulher a meu lado. Em paraíso privado. Sem pressas. Sem barreiras. Sem tabús. Sem limites no tempo ou no espaço. Dizia-te obrigado todas as noites. Venerava a teus pés pelo elixir da vida que era prenda infindável. E dormia descansado.

Veio depois o dia em que me abandonaste. Em que deixaste fugir de mim o doçe despertar. E colocaste a mortal tentação em frente do meu distino. Porquê? Não fui eu sempre teu fiel amante, servo e protegido? Arauto da tua palavra? Não foi justo o triste designio que celebraste às cegas com o meu futuro.

E agora que estou aqui só. Para que quero eu este mundo que me deste?"

- Até hoje não obtive resposta.

Uma esquina no passado presentemente futuro

Já não sabia se aquela era só mais uma conversa de café! Por mais que quisesse não conseguia afastar os meus olhos dos teus! Eram aqueles momentos que me faziam falta há já muitos meses. Desde que tinhas decidido partir não sei para onde. E sentia que te via pela primeira vez. Como se nunca na realidade te tivesse conhecido.

Mas a verdade não era essa. Conhecia-te bem, ou pensava eu que sim, e julgava e pesava todos os poros do teu resto. Todas as marcas da tua cara. Todas as expressões do teu sorrir, do falar, do mexer, do olhar. Não foram aquelas as orelhas que muitas vezes ouviram o meu respirar? Aqueles lábio que tantas vezes beijei? Aquele sorriso que tantas vezes foi só meu? E os meus olhos não descolavam de ti, mas não parava.. Sentia-me um intruso da tua intimidade ao olhar-te assim, afinal tanto tempo depois e as pessoas passam as estranhos.

Estavas ali mas não somente! Ainda estavas em mim! Percebia-te agora como te percebi há muito tempo atrás. Sem segredos para mim. Sem os mistérios que não me ofereceste durante tanto tempo. E agora procuravas ser uma estranha. Fugias. Refugiavas-te em sorrisos diferentes dos antigos, mas só para mostrares os limites ao meu olhar. Para me privares de sentir liberdade de te dizer coisas do passado.

Percebi a mensagem. Afinal foi sempre o que fiz. E uma vez mais senti que era eu quem te roubava espaço de sorriso. E fiz um esforço para olhar para baixo. E olhei. Para baixo e para o passado, em vez de olhar para o presente. Para ti. Ali.

Já não era só uma conversa de café. Era uma Guerra-de-Café. Um 'ganhar espaço para mim' Versus um 'ganhar espaço para nós'. Uma guerra feita em batalhas verbais. De olhares vagos. De mãos nervosas pelo ar, acompanhando frases aberta e pseudo-alegres. Nunca falámos do passado. Nunca falámos de nós. Falámos de projectos. Dos outros. Das outras. Das coisas por fazer. Amanhã. Dos empregos. Tentando esqueçer que o passado tinha sido nosso. Que os projectos tinham sido nossos. Que os outros e outras tinhamos sido nós durante tanto tempo.

E eu voltava a olhar para o fundo de ti. Com saúdade, com melancolia. Com a raiva de querer tudo de volta. A guerra estava perdida, mas insistia em lançar-me de cabeça para as batalhas sangrentas à mesa daquele encontro inesperado. Num café de esquina. A esquina que podia muito bem representar o que foi durante muito tempo o café das nossas vidas: cada um do seu lado, mas sempre ao lado um do outro. De mão dada.

Pagámos a conta. A porta estava logo ali.. E ao contrário do final dos filmes a preto-e-branco não posso guardar a lembrança de te ver partir: já tinhas dobrado a esquina, célere como no fim do nosso passado.

Razão (?)

:. O Amor vale tão pouco na presença da paixão!

"Não por causa da razão, mas inversamente, porque os sentido se alheiam da perpectiva."

E era somente mais um pretexto que eu usava para lhe adoçar a boca com frases pomposas. E qual o retorno perguntam? - Não sei também eu! O olhar que me deu foi só de raspão. Não deu tempo para perceber o nível de profundidade a que a minha prosa chegou. E foi por isso que mudei a atitude. Passei a falar do tempo! Das horas! E do autocarro que teimava em chegar tarde quando ela se sentava ali.. Para já tinha de chegar. Mas a razão não mudou de lugar. E os sentidos continuam alheados da razão.

Restou-me aguardar o próximo autocarro.

Era a ti..

Lutei muitas vezes contra mim Em noites que ao meu lado fugias misteriosamente das minhas mãos Chorei muitas vezes em silenciosos soluços o querer tocar um pouco da tua pele E tu ali Solene Dormente Ou dormindo Apaziguada no sono Sem saberes que não era só o amor e a ternura que dormia entre nós Era o desejo frustrado O sonho acordado O sentimento de culpa O querer saber como ser eu Para ti Ao teu lado..

Por vezes esquecia-me de mim Esquecia-me de quem queria ser Esquecia-me de ser quem tu querias que eu fosse Por vezes era só eu e tu E era tão belo E era tão pouco E eu dizia Amo-te muito Sofregamente no teu pescoço Pensando Enganando-me Que todos os dias seriam mais faceis por senti o teu calor Pensando que os mistérios terminariam ali Pensando que os soluços seriam engolidos para sempre E que para sempre serias minha..

..mas as noites de frio voltavam E eu lutava contra mim Contra ti Contra mim E tu ali Solene Dormente Ou dormindo Apaziguada no sono Sem saberes que não era só o amor e a ternura que dormia entre nós..

Thursday, January 20, 2005

Confissão

Era o que queria!
Mas há nós na garganta que nos demovem...
...da vontade de ir mais à frente.

Principalmente quando à frente não estás tu!

Batalha?

Sei que há urgência na mudança do meu íntimo!
Saber ser e posicionar-me no alto de mim.
Olhar para dentro e ver a verdade escondida.
Saber escolher as acções correctas para cada momento.

É um processo de luta diária. Quase segundo a segundo.
A guerra de não perder o sentido. De não perder as batalhas.

A vitória é voltar a ser Eu.
Mas como consigo lutar contra mim
se grande parte de mim és tu?

Wednesday, January 19, 2005

...até um dia!

(Desejar o indesejável foi pecado cometido num todo)

De olhos fechados partiu para a frente Solto de nós do passado Da imperícia Da solidão Da vontade de ser o não foi. Para a frente contínua de promessas carnais E a encarnação dos sentimentos Partiu já sem folego Ou de sofrer engolido Sabendo que em ti teria meta. Em passos largos Decidido a ocultar o rasto antigo Fechou os olhos para sentir somente o calor!

E por fim
Enfim
Teu

(Disfrutou sentidos abraços, pedaços de ti)

...até um dia!

Tuesday, January 18, 2005

Falha

"Juntar-lhe-ia apenas mais duas gotas de limão. Não me parece que seja assim tão dificil acertar no sabor! Mais um pouco de Licor, e a cor certa (pelo menos próxima). Um Copo aberto, de corpo longo. Um guardanapo pequeno. Um cubo de gelo picado (só um). E uma decoração de bom gosto."

Agora o mais fácil, o provar!... - É aqui que a imaginação falha:

...no Sentir.

Heresia

Estou sentado, nú, na beirinha da minha vida: uma ponte que faz passagem entre o passado e o futuro.
Ao longe a paisagem. O céu vermelho e o azul do mar.
O convite.

Tenho, descaindo pelas costas, um par de asas brancas que me deste. Sem força para voar.
Agrilhoado. Tenho lastro num tornozelo. Duas vezes o meu peso. Inércia maldita que me prende ao solo.
À vida.

Vontade de partir. De ver o mundo do ar. O sossego vermelho fogo do céu. O inferno azul do mar.
Sentir o vento da liberdade. Da paz. A tranquilidade na alma.
O sossego.

Estou sentado, nú, na beirinha da minha vida: uma ponte que faz passagem entre o passado e o futuro.
Comigo cá dentro. A dúvida da força das asas. A heresia de pensar que as mereci.
A certeza no peso do corpo.

O apelo é uno com a minha natureza. Salto para o vazio.
Fazer valer a força que o teu amor deu às minhas asas.
Esquecer a vida que me prende ao solo.
Voar

Fujo do vermelho fogo e do azul mar.
Seguir em frente. Esforçar o corpo e a mente. Resistência. Equilibrio.
Sentir que não caio e que não subo. Em frente.
Encontrar a tua ponte.

Monday, January 17, 2005

A descontinuidade de se ser outro e não eu

Quando damos a dobra temporal e nos conhecemos a nós mesmo? De que lado do espelho estamos? No lado de dentro ou do lado de fora? Se calhar não sabes responder a esta pergunta tão simples - Ironizei. - Tanto que se não estivessemos tão bêbados até te dava a resposta. Mas amanhã nem te ias lembrar.

Tens resposta?

Tenho. - Disse - A resposta é tal qual o conteudo que tens no copo! Quer o bebas, quer não bebas, vai continuar a existir. Dentro, ou fora do copo. És sempre tu de um lado ou d'outro do espelho!

Parece que afinal estas mais bêbado que eu!

Até pode ser. Mas eu amanhã ainda me vou lembrar de fazer o teste... Olhar para lá do espelho! Tentar passar para dentro do meu outro. Quero saber se estou do lado certo do espelho! Desconfio que sou só reflexo de alguém...

Fui

Tenho saudades de ser quem fui.
Duas letras no nome. Só duas.

Disparadas
Certeiras
Alegres
Sinceras
Doces
Íntimas
Sentidas


Tenho saudades de ser quem fui.
Duas letras no nome. Somente. E nada mais...

Saturday, January 15, 2005

Espelho de mim mesmo

Não quis fazer da folha de papel o meu espelho. As letras que escrevia não tinham mais sabor a verdade do que a ficção que costumo ler nos horóscopos. Ou pelo menos gostava de pensar que assim o é. Ainda assim e sem saberes, insistias periodicamente em olhar por cima do ombro. Discretamente, como a educação obriga, procuravas duas palavras que fizessem sentido, um verbo que indicasse o caminho para a tua compreenção, um adjectivo que caracterizasse a tua percepção do texto.

Eu não parava de escrever por isso. Não parava quando te sentia aproximar mais. Abrandava somente! Deixava que o fluir das palavras fosse comprometido pelo teu respirar no meu ombro.

- O que escreves? - explodiste.
- Nada de especial - e fingia olhar para o infinito como se procurasse as palavras que me faltavam. Que fingia me faltar!

Agora, com o caderno em cima das pernas e com o fundo da caneta na boca, já percebias a deixa. E largavas disparada para a minha frente:

- É segredo?
- Por enquanto... - e fazias aquele ar de criança contrariada a quem não se dava o brinquedo. Respondi-te à letra: - Se te portares bem depois partilho contigo.

Remédio santo. Nem pestanejaste. Assumiste o compromisso silenciosamente e saiste rápido. Ficou só o teu perfume no ar. Procurei-o um pouco. E um pouco mais. Fechei os olhos por momentos e ainda te senti ali. Atrás de mim, o respirar no meu ombro, o sorriso nos lábios, o saber que me amavas como nunca tinha sido amado jamais.

Caneta em mão retomei o caderno à posição inicial. Refiz a leitura da obra produzida. Era ficção sem dúvida! Recuperação de tempos que existiam em noites de sonho tão somente. Coisas felizes que procurava oferecer a mim próprio, mas que caíam sempre no rol das divagações melancólicas.

Com a obtusidade de censor assumido, crítico de mim mesmo, passei um risco diagonal por todo o texto, libertando-me da escrita recente e desbravando caminho para uma nova divagação.

E agora, em campo aberto, respirando fundo, sempre contigo na mente, libertei de novo a caneta em acto de bravura e começei pela terceira vez:

"Não quis fazer da folha de papel o meu espelho...

Tuesday, January 11, 2005

daqui...

- Desculpem. Estou só a ver o electrico passar! Saio já daqui...
- Mas o eléctrico não passa aqui!...
- Não? Então espero sentado...

Desconhecido

O desconhecido faz-me mal. Não saber o que está do lado de fora da caixa em que me encontro. Portas, janelas, pequenas claraboias... inexistentes na realidade escura do silêncio que me rodeia!

O pequeno traço de luz que uso de vez em quando para ver as minhas mãos, só serve para saber se é dia ou noite. Lá fora. Cá dentro é sempre noite! Escuridão fria e seca que deixa o corpo tenso, o raciocinio lento, e o pensamento acelerado.

Procuro nas paredes de cartão por uma saída! Será? - Procuro nas paredes de cartão um pouco do teu calor. Na dúvida e na esperança que estejas do lado de fora! Nas paredes rugosas de cartão que devolvem o frio das minhas mãos. E não alimentam esperanças.

Um canto. Uma aresta. Outro. Uma aresta. Outro. Uma aresta. Outro. Uma aresta. O mesmo!

Dias a fio. Noites a fio. Em volta de mim mesmo. Em volta dos pensamentos concêntricos nos dias bons, espirais nos dias piores...

Está frio cá dentro. Mas o desconhecido faz-me mal! Por enquanto fico por aqui.

Monday, January 10, 2005

Verdades

- Se com a ficção fosse mais facil de entender eu propria escrevia um livro - Disse-me ela - Não me parece que estando escrito a coisa faça mais sentido!
Não quis parecer muito bruto, afinal que sabia ela de ficção? Toda a sua existência era ao nível do sensivel. Todos os livros que lera ainda pertenciam às editoras escolares. E todos sabemos que esses só têm pequenas pontas soltas de poesia, inicios de contos mal contados, ou aperitivos para as papilas literário-gustativas. - Abanei a cabeça, não lhe cortei o fluir do discurso, dei-lhe espaço para mais uma frase.
- O que se passa aqui é perceber o que vai na cabeça das pessoas... percebes?
- Não - Disse, mas tinha percebido. Mais uma vez lhe dizia "continua".
- Porque é que se escreve assim? Em códigos e em enigmas? Não era mais facil telefonar e explicar tudo? Não podia combinar um café e por as coisas em cima da mesa?
Pronto, fui apanhado. As perguntas atrás de perguntas. As perguntas são sempre a parede nas costas. Se não me mexo rápido ainda vou sentir a espada nas costelas. - Achas que sim. - Ah!, a arma última contra a pergunta: a Pergunta!
- Sim, claro que acho. Afinal tanto tempo para explicar algo que se calhar é simples.
- Se calhar é simples para ti... - Adiantei-me, cheirou-me que vinha a caminho outra pergunta. Para ganhar tempo.
- ...! Achas?
- Pelo menos pareceu-me pelo que disseste há pouco...
- Há tanta meia-coisa escrita naquelas páginas.
- E já procuraste as pontas soltas? Já deixaste que o teu espirito se liberte às ondas de emoção que o texto te leva? Se calhar há nuvens que fazem par com as ondas! Se calhar são os peixes que ainda não viste que têm poemas para ti. Já experimentaste fechar os olhos depois de leres? Ou ouvir o mar perder-se na praia? - Parei.
Veio o olhar turvo, as sobrançelhas ligeiramente subidas e as faces brancas de espanto.
- Falas como ele!
Trespassado. A parede já lá estava.. foi a espada fria da verdade.