No meio da tempestade agarraste-te à única boia à vista. E deixaste-me afundar só:
Afundei tanto, tanto, que deu para te ver ao longe. E embora de baixo para cima, e embora de imagem turva do sal, agora vejo bem o rasto que deixámos para trás. O Barco desfez-se, mas a madeira flutua. Muito detrito, mas os bocados grandes estão intactos (ou pelo menos daqui parece)...
Vejo-te a nadar lá em cima, e sigo o teu caminho cá de baixo, no frio, para te apanhar se caires. Se perderes a tua boia que é cheia de ar.
Como desejava ver-te apanhar e reunir os bocados soltos que flutuam ao teu lado, ou pegares num deles e chorares uma lágrima. Ou junta-los ao peito e suspirares! Mas o teu nado mantêm-se, dás aos braços e às pernas e afugentas os pedaços para longe de ti. Para longe de mim. Nem olhas para trás. Ou para baixo.
Neste momento nado para cima, para o ar, para as ondas que levantas. Para respirar fundo, e sofrego por estar junto de ti. Junto da asneira que está à tona de àgua... tentar num último esforço juntar o que se afasta e recontruir o Barco.
Pouco por pouco. Pouco a pouco. Um pedaço aqui, um pedaço ali. Restos que juntos souberam flutuar para longe e durante tanto tempo. Seco e sólido, para te receber.
Juntos tirarmos da água o que de bom restasse, e deixar o resto a boiar, para podermos, em momentos de perigo, ver o lixo que deixámos para trás. E seguirmos para doca os dois, e com os pés em terra sabermos o medo que é perdermos quem amamos, e reconhecermos que o amor que temos não dá para viver num barco... que tem de ser em terra, com a certeza que cada um de nós existe sem o outro e reconquistarmos a vontade de seguirmos em frente. Os dois... lado a lado... mas de mãos dadas.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment