Friday, January 21, 2005

Uma esquina no passado presentemente futuro

Já não sabia se aquela era só mais uma conversa de café! Por mais que quisesse não conseguia afastar os meus olhos dos teus! Eram aqueles momentos que me faziam falta há já muitos meses. Desde que tinhas decidido partir não sei para onde. E sentia que te via pela primeira vez. Como se nunca na realidade te tivesse conhecido.

Mas a verdade não era essa. Conhecia-te bem, ou pensava eu que sim, e julgava e pesava todos os poros do teu resto. Todas as marcas da tua cara. Todas as expressões do teu sorrir, do falar, do mexer, do olhar. Não foram aquelas as orelhas que muitas vezes ouviram o meu respirar? Aqueles lábio que tantas vezes beijei? Aquele sorriso que tantas vezes foi só meu? E os meus olhos não descolavam de ti, mas não parava.. Sentia-me um intruso da tua intimidade ao olhar-te assim, afinal tanto tempo depois e as pessoas passam as estranhos.

Estavas ali mas não somente! Ainda estavas em mim! Percebia-te agora como te percebi há muito tempo atrás. Sem segredos para mim. Sem os mistérios que não me ofereceste durante tanto tempo. E agora procuravas ser uma estranha. Fugias. Refugiavas-te em sorrisos diferentes dos antigos, mas só para mostrares os limites ao meu olhar. Para me privares de sentir liberdade de te dizer coisas do passado.

Percebi a mensagem. Afinal foi sempre o que fiz. E uma vez mais senti que era eu quem te roubava espaço de sorriso. E fiz um esforço para olhar para baixo. E olhei. Para baixo e para o passado, em vez de olhar para o presente. Para ti. Ali.

Já não era só uma conversa de café. Era uma Guerra-de-Café. Um 'ganhar espaço para mim' Versus um 'ganhar espaço para nós'. Uma guerra feita em batalhas verbais. De olhares vagos. De mãos nervosas pelo ar, acompanhando frases aberta e pseudo-alegres. Nunca falámos do passado. Nunca falámos de nós. Falámos de projectos. Dos outros. Das outras. Das coisas por fazer. Amanhã. Dos empregos. Tentando esqueçer que o passado tinha sido nosso. Que os projectos tinham sido nossos. Que os outros e outras tinhamos sido nós durante tanto tempo.

E eu voltava a olhar para o fundo de ti. Com saúdade, com melancolia. Com a raiva de querer tudo de volta. A guerra estava perdida, mas insistia em lançar-me de cabeça para as batalhas sangrentas à mesa daquele encontro inesperado. Num café de esquina. A esquina que podia muito bem representar o que foi durante muito tempo o café das nossas vidas: cada um do seu lado, mas sempre ao lado um do outro. De mão dada.

Pagámos a conta. A porta estava logo ali.. E ao contrário do final dos filmes a preto-e-branco não posso guardar a lembrança de te ver partir: já tinhas dobrado a esquina, célere como no fim do nosso passado.

No comments: