Monday, January 10, 2005

Verdades

- Se com a ficção fosse mais facil de entender eu propria escrevia um livro - Disse-me ela - Não me parece que estando escrito a coisa faça mais sentido!
Não quis parecer muito bruto, afinal que sabia ela de ficção? Toda a sua existência era ao nível do sensivel. Todos os livros que lera ainda pertenciam às editoras escolares. E todos sabemos que esses só têm pequenas pontas soltas de poesia, inicios de contos mal contados, ou aperitivos para as papilas literário-gustativas. - Abanei a cabeça, não lhe cortei o fluir do discurso, dei-lhe espaço para mais uma frase.
- O que se passa aqui é perceber o que vai na cabeça das pessoas... percebes?
- Não - Disse, mas tinha percebido. Mais uma vez lhe dizia "continua".
- Porque é que se escreve assim? Em códigos e em enigmas? Não era mais facil telefonar e explicar tudo? Não podia combinar um café e por as coisas em cima da mesa?
Pronto, fui apanhado. As perguntas atrás de perguntas. As perguntas são sempre a parede nas costas. Se não me mexo rápido ainda vou sentir a espada nas costelas. - Achas que sim. - Ah!, a arma última contra a pergunta: a Pergunta!
- Sim, claro que acho. Afinal tanto tempo para explicar algo que se calhar é simples.
- Se calhar é simples para ti... - Adiantei-me, cheirou-me que vinha a caminho outra pergunta. Para ganhar tempo.
- ...! Achas?
- Pelo menos pareceu-me pelo que disseste há pouco...
- Há tanta meia-coisa escrita naquelas páginas.
- E já procuraste as pontas soltas? Já deixaste que o teu espirito se liberte às ondas de emoção que o texto te leva? Se calhar há nuvens que fazem par com as ondas! Se calhar são os peixes que ainda não viste que têm poemas para ti. Já experimentaste fechar os olhos depois de leres? Ou ouvir o mar perder-se na praia? - Parei.
Veio o olhar turvo, as sobrançelhas ligeiramente subidas e as faces brancas de espanto.
- Falas como ele!
Trespassado. A parede já lá estava.. foi a espada fria da verdade.

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